A redução da tarifa de energia elétrica dos consumidores e a segurança do suprimento
Cabe salientar que as decisões adotadas pelo planejamento da operação no sentido de aumentar a segurança do atendimento, externa aos modelos probabilísticos, não possuem contrapartida para os geradores
28/01/2013

Temos acompanhado o noticiário do setor elétrico, especialmente no que diz respeito à meta do Governo Federal de reduzir em 20%, na média, a tarifa dos consumidores de energia elétrica. Notícias veiculadas recentemente citam que essa meta não será atingida, por conta do acentuado despacho de usinas térmicas, que acabaria por afetar a redução pretendida.

Verifica-se aí uma grande confusão, pois se mistura uma questão estrutural, que é a redução das tarifas que será proporcionada pela MP 579/2012 (Lei 12.783/2013), com a questão conjuntural, que é o despacho das usinas térmicas com a finalidade de aumentar a  confiabilidade do atendimento à demanda do País, o chamado “despacho fora da ordem de mérito”, que gera um encargo a ser pago, denominado “Encargo de Serviço do Sistema - ESS”.

Essa geração fora da ordem de mérito das usinas térmicas funciona como um seguro que o consumidor faz e, consequentemente, como beneficiário deste, arca com o respectivo prêmio.

Ocorre que, como o despacho das térmicas está onerando conjunturalmente o consumidor na mesma época em que se inicia a redução tarifária estrutural, há quem pense em repassar essa conta para “outros”, no caso os geradores de energia elétrica, o que não é tecnicamente e regulatoriamente correto.

Apresentamos aqui algumas reflexões sobre o tema, contribuindo no debate com o cuidado que a questão requer, visando esclarecer e encontrar soluções duradouras, abrangentes e robustas.

A segurança do suprimento no setor de energia elétrica pode ser incrementada mediante:

(i) Expansão do parque gerador: Para um menor risco de déficit, maior a expansão requerida, com repasse ao consumidor do respectivo aumento de custos de infraestrutura; ou

(ii) Adoção de critérios de aversão a risco: De maneira simplificada, os mecanismos de aversão a risco procuram atingir níveis de armazenamento considerados “seguros” no início da estação chuvosa dos sistemas Sudeste e Nordeste, através do despacho de geração termelétrica fora de mérito econômico, mitigando, com isso, o risco associado a cenários hidrológicos desfavoráveis. Neste caso, o consequente aumento na segurança do suprimento não é arcado exclusivamente pelos consumidores, conforme veremos mais adiante.

Ao minimizar o custo total de operação, o modelo de planejamento da expansão considera déficits de energia de qualquer profundidade, não levando em conta racionamentos preventivos, de modo que o déficit só ocorre quando os reservatórios das usinas hidrelétricas estão completamente vazios. Já na operação do sistema, qualquer racionamento, mesmo preventivo, constitui déficit do ponto de vista de atendimento à demanda. Com isso, nas simulações realizadas pela operação, a probabilidade de déficit tende a ser maior do que a probabilidade de déficit medida pelo planejamento da expansão.

Dessa forma, verifica-se que a percepção de probabilidade de déficit por parte da operação do sistema é superior à verdadeira probabilidade de racionamento, uma vez que um racionamento preventivo pode se mostrar, no instante seguinte, desnecessário. Porém já foi contabilizado como um possível déficit e medidas já foram tomadas para “evitá-lo”, no caso, o despacho de termelétricas fora da ordem de mérito.

Conforme demonstrado, por um caminho ou por outro, fica evidente que o consumidor final é beneficiado pelo incremento da segurança de suprimento, seja pela contratação de maior capacidade instalada ou pelo despacho de usinas termelétricas fora da ordem do mérito econômico.

Cabe destacar também que, de acordo com a regulamentação do setor elétrico, os geradores estão arcando com severo ônus devido às baixas afluências, pois como não estão gerando a totalidade das suas “placas”, obrigam-se a comprar a energia faltante para cumprir seus contratos no mercado de curto-prazo, que está com o preço bastante elevado. Para se ter uma ideia, em novembro de 2012 a geração hidrelétrica ficou 10% abaixo do total das “placas”, ficando exposta nesse montante ao preço do curto-prazo médio de R$ 375,00/MWh, o que corresponde a cerca de R$ 1,2 bilhão, o que é expressivo e corresponde à participação dos geradores no custeio da geração termelétrica. Não se discute que este custo seja arcado pelos geradores hidrelétricos, nem tampouco pelos geradores termelétricos. Todavia, de acordo com a mesma regra, não seria apropriado alocar a tais geradores a parcela de custo que corresponde ao segmento “consumo”, que são os beneficiários finais do acréscimo da segurança do suprimento.

Cabe salientar que as decisões adotadas pelo planejamento da operação no sentido de aumentar a segurança do atendimento, externa aos modelos probabilísticos, não possuem contrapartida para os geradores.

Não obstante as considerações anteriores, vemos uma excelente oportunidade para o setor avançar, de maneira consistente e estrutural, na discussão da origem do custo do despacho fora da ordem de mérito. Entendemos haver espaço para aprimoramentos nos modelos de despacho e de formação de preço, de forma a refletir a aversão ao risco justificadamente desejada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, tendo em vista que atualmente o despacho fora da ordem de mérito não é incorporado.

Um último ponto a ressaltar é a estabilidade regulatória para os investidores, na medida que as regras atuais — que resultaram de processo exaustivo e detalhado de análise, contribuições e aprimoramentos, com contribuição de todos os segmentos do setor elétrico, inclusive com processo de audiência pública da Aneel — já contemplam a parcela de participação dos geradores hidrelétricos no custeio da geração fora da ordem de mérito econômico, e que decisões de investimento na expansão da geração e na contratação de energia foram tomadas por empreendedores considerando tais regras.

Luiz Fernando Leone Vianna é Presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica