Ideia fixa, alvo errado
Nosso sistema armazena o equivalente a cinco meses de consumo. Tudo se resume à gestão de um estoque de longo prazo 03/10/2013 O Idaho National Laboratory (INL) é uma entidade federal americana, parte do Departamento de Energia e que publica o "Study of United States Hydroelectric Plant Ownership". Invejei a consulta à sua página, tal a facilidade de obter dados de usinas. Quantas são, mapa detalhado, dados técnicos e quem são os concessionários. Apesar das estatísticas impecáveis, não havia a informação que eu procurava: Qual seria o prazo das concessões? O que fazem ao término? Qual o nível de legislação sobre o assunto? Dada a disponibilidade de um e-mail pessoal (uma raridade) consultei o dr. Douglas Hall. Expus o que estava ocorrendo no Brasil e indaguei sobre a forma americana de atuar. Dr. Hall manifestou grande espanto ao saber que, na concessão de potenciais hidrelétricos no Brasil há uma exigência constitucional de licitação. Lá, há também o prazo de 30 anos, mas não existe extinção por tempo e muito menos a Constituição trata disso. A possibilidade de um concessionário perder a licença é o descumprimento do contrato ou a ocorrência de uma falha grave. Quem julga a questão é o Ferc (Federal Energy Regulatory Comission). Vejam as diferenças: 1- Concedida a licença, sobretudo para quem construiu a usina, o Estado americano não vê sentido em licitá-la para outro empresário. Se o contrato é satisfeito, não há porque se arriscar a trocar de responsável. A concessão é um pacto firmado e nada tem a ver com prazos. 2 - A amortização de ativos, vantagem a ser capturada pelo consumidor, é um tema contábil, e, se auditado e autorizado pelo poder concedente, não pode ser alterado. Independe de prazos, até porque ativos podem ser amortizados antecipadamente. 3 - A ocorrência de falhas pode determinar a cassação. A situação é bem diferente dos nossos exemplos de concessionários de outros setores com longo histórico de falhas sem grandes consequências. Explicam-se as tarifas mais baixas em Estados com percentuais significativos de hidreletricidade. A América adota o regime de custo do serviço, o mesmo que abdicamos em 1995, para entrar de cabeça no modismo da década de 90. Preferimos o exemplo dos países europeus, apesar da nossa matriz radicalmente distinta. Isso nos leva à saga da tarifa brasileira, que subiu 76% acima da inflação em 16 anos. Mas, quais são os componentes da nossa tarifa? Segundo a Aneel em 2011, a estrutura percentual de uma fatura média era: energia (kWh), 31%, transmissão, 5,7%, distribuição, 26,5%, encargos, 10,9% e impostos, 25,9%. Se alguém estranha o percentual mais baixo dos impostos, lembro que é uma média, onde Estados cobram distintas alíquotas de ICMS e dão isenções para baixas faixas de consumo. Numa primeira visão, para reduzir a fatura, o melhor seria atacar a maior componente. Assim, haveria sentido em intervir no preço da geração. Mas, que tal olhar essa mesma proporção em outros países? Alguns exemplos1: Reino Unido, 74%; Estados Unidos, 58%; Itália, 47%; Irlanda, 55%; Espanha, 44%; Polônia, 42%; Áustria, 42% e Holanda, 42%. Ora, pela amostra, atuar sobre esta parcela teria muito mais efeito nesses países do que aqui. A Suécia e a Noruega também têm proporção similar à brasileira, mas lá a tarifa não dobrou de valor em 16 anos. A parcela "kWh" não é nosso problema. Os Estados Unidos avaliam em US$ 80/MWh o preço da energia de novas hidrelétricas. Santo Antônio, Jirau, Teles Pires e Belo Monte não servem para estabelecer um preço de mercado pois são projetos repletos de subsídios. Mas, temos conseguido US$ 60/MWh em diversos outros casos (Serra do Facão, Chapecó e Estreito). Estamos "bem na foto" porque parte dos custos de amortização já tinham sido reduzidos antes de 1995. A Fiesp nunca teve razão na sua campanha. A obsessão por baixar preços sem diagnóstico está ameaçando muito mais do que a Eletrobras. As usinas hidrelétricas mais antigas serão as vítimas, pois terão que operar com "tarifas" de operação e manutenção que chegam a um terço dos exemplos americanos2. As consequências virão depois. Fugindo do diagnóstico e dos próprios erros, a "idéia fixa" governamental vai avançando sobre outras atividades. Há indícios de que ela atingiu também a operação do sistema, por mais que autoridades neguem. É verdade que a hidrologia do Nordeste tem sido baixa, mas, considerando o sistema interligado, não se pode reclamar de S. Pedro. Nos últimos quatro anos, apenas 2012 ficou abaixo da média (80%). Os três anteriores chegaram a exceder em 30%! Como nosso sistema é capaz de armazenar o equivalente a cinco meses de consumo, tudo se resume à gestão de um estoque de longo prazo com a ajuda das térmicas. Como elas são caras e seu custo "corre por fora" da tarifa, a obsessão barateadora adia seu uso. Em fevereiro de 2012, a hidrologia já estava ruim e continuou mal o resto do ano. No entanto, surpresa! A geração térmica chegou a ser reduzida de maio a agosto, e, de repente, após o anúncio da medida provisória em setembro, as térmicas foram despachadas no máximo, gerando as despesas bilionárias a serem cobertas pelo Tesouro. Coincidência? Se não se usa térmicas, usa-se água. Como nosso sistema tem memória de elefante, as térmicas ausentes em 2012 são as turbinas paradas no Rio S. Francisco em 2013, tentando encher o "vazio" de 2012. Com pouca reserva não havia como as hidrelétricas reagirem ao apagão de 28 de agosto. Gastos bilionários em combustíveis sem desgraças hidrológicas mandam-nos o recado que faltam usinas. Só não vê quem não quer. Ideia fixa, alvo errado, reservatório esvaziado, apagão facilitado.
1- Fonte: Energy Prices Statistics - Eurostat -2012 e EIA - Annual Energy Outlook 2012 2- Levelized Costs of New Generation Resources in the Annual Energy Outlook 2012 - U. S. Energy Information Administration Roberto Pereira D'Araujo é diretor do Ilumina - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico. |
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