Hidrelétricas fazem apelo para conter nova sangria
Empresas detentoras de UHEs estão fazendo novos apelos ao governo para estancar a sangria financeira que não para de crescer 09/02/2015 Valor - 06.02.2015 - Por Daniel Rittner e Rafael Bitencourt
Diante do segundo ano consecutivo de perdas bilionárias, por causa do baixo nível dos reservatórios, os donos de usinas hidrelétricas estão fazendo novos apelos ao governo federal para estancar a sangria financeira que não para de crescer.
Neste ano, conforme projeções do setor, os números verificados em 2014 devem se repetir e as geradoras precisarão desembolsar mais de R$ 20 bilhões para repor o montante de energia previsto em seus contratos e que não foi efetivamente produzido. Apesar do rombo financeiro, esse déficit na geração tem sido tratado pelo governo como risco inerente ao negócio.
Para a Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), esse cenário já compromete o equilíbrio econômico do setor. "Os valores envolvidos são insustentáveis", afirma o presidente da Abrage, Flávio Neiva, que aguarda uma reunião no Ministério de Minas e Energia para discutir uma solução para o impasse.
Com os reservatórios em queda, o buraco pode chegar a R$ 25 bilhões em 2015. "Precisamos buscar uma saída urgente para mitigar o impacto", diz.
Esse déficit pode piorar com as medidas de redução voluntária do consumo que o governo prepara. Ao acionar geradores de estabelecimentos comerciais, ou pedir para que a população faça economia, o objetivo é poupar água das represas, diminuindo a intensidade de acionamento das hidrelétricas.
O plano pode até funcionar como um antídoto contra o agravamento da crise de abastecimento, mas tem um efeito colateral: menos turbinas produzindo energia significam um déficit ainda maior na geração das
hidrelétricas, sem que haja nenhum tipo de compensação aos donos das usinas. "Para nós, a racionalização é o pior dos mundos", diz Neiva.
O executivo garante que não gosta "nem de pronunciar aquela palavra", referindo-se a um racionamento formal de energia, mas acentua a diferença com uma campanha de redução espontânea do consumo. Um racionamento
envolveria a redução das garantias físicas das hidrelétricas, ou seja, quanta energia elas são obrigadas contratualmente a entregar para seus clientes. Por exemplo: se a redução obrigatória da carga é de 10%, a garantia
física cai na mesma proporção, aliviando parcialmente o tamanho do estrago.
"Se houver um programa de racionalização [redução voluntária do consumo], entendemos que seria necessário ter mecanismos formais de ajuste dos contratos, caso contrário vamos agravar o problema", endossa o presidente da estatal paranaense Copel, Luiz Fernando Vianna.
À frente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia (Apine) até o fim do ano passado, Vianna desenhou uma proposta que a entidade apresentará à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no dia 12. A proposta prevê o uso dos Encargos de Serviços do Sistema (ESS), recolhidos nas tarifas de energia, para bancar parte do déficit hídrico.
Paralelamente, haveria a criação de uma "conta gráfica" para contabilizar esse dispêndio, com um ressarcimento integral dos valores em anos de "vacas gordas" - isto é, quando os reservatórios estiverem cheios e as hidrelétricas produzirem acima de seus contratos. Hoje, esse montante "extra" de energia pode ser vendido no mercado de curto prazo, de acordo com os interesses de cada empresa geradora. "É fundamental equacionar essa questão", enfatiza Vianna.
Na proposta da Apine, nem todo o déficit hídrico seria bancado pelo ESS. Isso ocorreria apenas com o montante de energia equivalente à geração térmica "fora da ordem de mérito". Trata-se da eletricidade produzida pelas
usinas térmicas com megawatt-hora mais caro do que o custo de operação definido semanalmente pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O ONS pode acionar essas térmicas - movidas a perfume Chanel nº 5, segundo uma piada frequente no setor para ilustrar como elas são caras e só devem ser ligadas em última instância. Alguns milhares de megawatts estão sendo gerados acima do custo máximo estabelecido pelo operador. A estratégia ajuda a preservar os reservatórios, em um momento de escassez de chuvas, mas faz a produção de hidrelétricas cair ainda mais.
"A geração fora da ordem de mérito e a importação de energia não podem ser encaradas como risco do nosso negócio", diz Neiva, da Abrage. Na semana passada, em reunião do conselho do ONS, o ministro Eduardo Braga foi apresentado preliminarmente à proposta das geradoras e demonstrou interesse em aprofundar as discussões, mas não se comprometeu com nenhuma decisão.
O déficit de geração das hidrelétricas não afeta isoladamente uma ou outra usina. Todos os meses, elas fazem um encontro de contas no Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), uma espécie de "condomínio" das geradoras.Não importa, portanto, se donos de usinas nas regiões Sul ou Norte - onde tem chovido relativamente bem - estão com seus reservatórios cheios. No fim, a despesa com a reposição da eletricidade não produzida por algumas hidrelétricas é rateada por todos os "condôminos" do sistema.
Em 2014, nas estimativas do banco J. P. Morgan, as hidrelétricas entregaram 89,4% de suas obrigações contratuais e o déficit provocou rombo de R$ 26,7 bilhões. Neste ano, a previsão dos analistas Marcos Severine e Henrique Peretti é que a produção seja ainda menor, o equivalente a 87% dos contratos. Com isso, haveria um novo buraco financeiro de R$ 23 bilhões. A despesa só fica um pouco menor porque a Aneel reduziu, na virada doano, o valor-teto do megawatt-hora no mercado "spot". Pouco mais da metade do déficit é pago atualmente pelas próprias geradoras. Nas usinas que tiveram concessões renovadas em 2012, no pacote de redução dos preços da energia anunciado pela presidente Dilma Rousseff, o "risco hidrológico" foi transferido para os consumidores. A mesma lógica vale para a usina de Itaipu.
Mesmo sem pagar todo esse rombo, o presidente da Abrage diz que a conta tem sido suficiente para colocar em xeque os investimentos das empresas na expansão do sistema e levá-las a uma postura mais conservadora nos leilões de energia organizados pelo governo para atender as distribuidoras. É que, quanto menos volume deenergia se comprometem a entregar em contratos de longo prazo, menos as geradoras ficam expostas ao risco hidrológico. Essa postura, porém, pode redundar em novos problemas. "Se todo mundo agir assim, os consumidores vão ter menos acesso a uma energia barata", diz Neiva. |
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