Agência prepara solução para inibir perdas das geradoras
Aneel deve colocar uma proposta em audiência pública até o fim deste mês
13/05/2015

VALOR - As autoridades do setor elétrico preparam uma solução para o rombo financeiro provocado pela escassez de chuvas nas geradoras de energia. O risco hidrológico, que obriga donos de usinas hidrelétricas a comprar energia no mercado de curto prazo para honrar seus contratos de suprimento quando as turbinas não conseguem produzir todos os megawatts comercializados, causou às empresas perdas estimadas pelo mercado em R$ 20 bilhões em 2014. Neste ano, o impacto do baixo nível dos reservatórios na conta das usinas pode chegar a R$ 30 bilhões, segundo projeções recentes de bancos.

Uma proposta para atenuar esse risco deverá ser apresentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) até o fim deste mês e colocada em audiência pública. Em entrevista ao Valor, o diretor­geral da Aneel, Romeu Rufino, deixou claro, no entanto, que a proposta não mexe necessariamente com o passivo acumulado pelas geradoras e tem como principal objetivo resolver a situação daqui para frente. 

"Juridicamente, talvez não haja espaço para mitigar esse risco, mas o órgão regulador não pode cruzar os braços e deixar os agentes quebrarem", disse Rufino. O desafio da agência é equilibrar a conta sem onerar excessivamente as tarifas. "Não é simplesmente tirar o risco das geradoras e colocar no colo dos consumidores." 

A área técnica ainda faz uma "quantificação" do problema e um "mapeamento de alternativas", afirmou Rufino. Segundo ele, o rombo não tem a ordem de grandeza alardeada pelas geradoras. "Precisamos verificar a diferença entre deixar de ganhar, uma frustração na expectativa de ganho, e ter prejuízo de fato". Para o chefe da Aneel, é necessário separar duas situações diferentes: sociedades de propósito específico (SPEs) que têm apenas uma hidrelétrica funcionando, como a Santo Antônio Energia (dona de uma das usinas instaladas no rio Madeira), e grupos vários projetos em funcionamento, como as estatais Cemig e Copel. 

No último caso, elas podem dividir o risco hidrológico entre vários projetos. Se uma usina gera menos energia do que o previsto, por causa do esvaziamento de seu reservatório, outra usina (em outra região do país) pode estar produzindo mais. "O problema não incide da mesma forma sobre todos os agentes", ressaltou. 

Rufino evitou entrar em detalhes sobre a proposta em formatação, mas sinalizou que uma das ideias é estabelecer um "hedge" obrigatório para os contratos das geradoras com o mercado regulado (distribuidoras). Hoje, as hidrelétricas podem vender até 100% de suas garantias físicas em contratos de longo prazo. Quem optou por essa estratégia, no passado, tem problemas agora para entregar essa energia ­ como reflexo da queda no nível das represas, que impedem as turbinas de funcionar com potência total. 

O diretor lembrou que muitas geradoras, por iniciativa própria, mantêm um "hedge" em torno de 5% de suas garantias físicas. Por exemplo: se a usina tem 100 MW médios de energia assegurada, ela só negocia 95 MW e deixa uma proteção de 5 MW. Pode­se pensar, disse Rufino, em transformar essa prática em exigência universal e até mesmo definir um percentual obrigatório maior.

 "Uma alternativa é impor um hedge maior. A prática mais comum hoje é de 5%. Pode ser, hipoteticamente, de 10%. Mas isso também significa que a geradora provavelmente praticará preços mais altos para os 90% restantes de energia que ela continuaria comercializando", comentou. 

Outra questão que a Aneel pretende discutir é se a geração fora da ordem de mérito e a importação de energia dos países vizinhos podem ser considerados como mero risco do negócio. Pelas regras do setor, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aciona sempre a geração disponível de custo mais baixo. Para poupar os reservatórios, no entanto, o ONS rasgou a cartilha e intensificou a prática de ligar térmicas a qualquer custo e trazer eletricidade da Argentina ou do Uruguai. Isso faz com que as hidrelétricas sejam forçadas a produzir menos energia, comprometendo o caixa das geradoras. "Se chegarmos à avaliação de que a matriz de risco está inadequada, poderemos olhar para a frente." 

Até agora, o governo vinha tratando esse rombo financeiro das hidrelétricas como risco intrínseco ao negócio. As duas únicas exceções eram a binacional de Itaipu e as usinas que tiveram suas concessões renovadas pela MP 579, depois transformada na Lei 12.783, em 2012. Nesse caso, toda a garantia física das usinas foi destinada ao mercado regulado e o risco hidrológico ficou totalmente nas mãos do consumidor.

 Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do grupo de estudos do setor elétrico (Gesel) da UFRJ, o princípio básico que norteará a proposta da agência reguladora é não dar uma solução linear às geradoras. O problema maior, na visão dele, é com as SPEs que foram constituídas para explorar uma única hidrelétrica. 

"Essas sociedades são mais novas, altamente alavancadas e estão entrando gradualmente em operação", afirma Castro, que participou de discussões na Aneel sobre o assunto. "Para elas, o impacto do GSF [sigla para o déficit hidrológico] é destruidor. Se isso não mudar, compromete­se o caixa das SPEs e corre­se o risco de não haver interessados nos grandes empreendimentos que ainda vêm pela frente", completa.

No caso de grupos com várias usinas, Castro vê poucas chances de um alívio financeiro para as perdas do passado. "Até porque, se perderam de um lado, muitos grupos ganharam de outro", avalia o especialista, referindo­se à venda de energia no mercado livre e às atividades de comercializadoras ligadas a esses grupos. "E um socorro que envolva o Tesouro ou o BNDES, na atual conjuntura, é praticamente impossível.
 
Por Daniel Rittner e Rafael Bitencourt