Por conta de luz menor, comércio descobre mercado livre de energia
Só este ano, 947 empresas migraram. Varejistas e hotéis são a maioria 17/08/2016 O GLOBO - RIO - 14.08.2016 - Ele chega aos 21 anos pouco conhecido, mas robusto. O mercado livre de energia no Brasil — no qual o consumidor escolhe de quem compra e pode negociar preço e duração do contrato — vive um momento de forte expansão ao entrar na idade adulta. Com tarifas cerca de 20% mais baixas que no mercado cativo — em que se é obrigado a comprar da distribuidora local —, ele vem atraindo cada vez mais empresas, principalmente dos setores de comércio e serviços, que buscam cortar custos em plena recessão. Nos primeiros sete meses do ano, foram 947 adesões, ante 37 em igual período em 2015. Dos novos clientes, 89% eram de varejo e serviços, como shoppings, supermercados e hotéis, além de indústrias de pequeno e médio portes. Há ainda 1.509 pedidos de migração em andamento na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), órgão que faz a liquidação financeira dos contratos de compra e de venda no mercado livre. Esse mercado sempre foi uma opção para grandes indústrias de segmentos intensivos em energia, como metalurgia e mineração, para as quais qualquer economia com eletricidade significa uma poupança de milhares de reais. São os chamados grandes consumidores, com contratos de compra de energia acima de 3 mil quilowatts (kW), o que significa uma conta de luz de R$ 300 mil a R$ 500 mil mensais. GOVERNO QUER AMPLIAR ACESSO A nova onda de consumidores é caracterizada por um perfil de consumo de energia menor. São os chamados consumidores especiais, com contratos de 500 quilowatts (kW) a 3 mil kW, uma fatura de R$ 60 mil a R$ 300 mil mensais. Esses clientes representam 92% dos pedidos pendentes na CCEE. E, pela legislação, para migrar para o mercado livre, precisam comprar de fontes limpas de energia, como biomassa, solar, eólica e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). — São empresários que buscam cortar custos em plena recessão e encontraram no mercado livre uma opção. Não é gente que saiu desse mercado, quando as tarifas bateram mais de R$ 800 por MWh (megawatt-hora) em 2014, e que está voltando agora. São novos entrantes — disse Reinaldo Ribas, gerente de gestão de clientes da Delta Energia, comercializadora que atua nesse mercado. O movimento de migração para o mercado livre pode aumentar ainda mais. O governo federal planeja liberar todas as indústrias, inclusive as que consomem menos de 500 kW, para mudarem, se assim quiserem, para este segmento. O ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Marcos Pereira, propôs a criação de um grupo de trabalho, em conjunto com o Ministério de Minas e Energia, para analisar como ampliar o acesso da indústria. Segundo o ministério, a medida pode permitir a maior inclusão de pequenas e médias indústrias nesse mercado. “Representaria a redução de custos na aquisição de energia, um dos fatores essenciais ao estímulo à recuperação da atividade industrial”, informou o ministério, em nota. O presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, destacou que a liberação do mercado livre para todas as indústrias contribuirá para a retomada da economia e geração de empregos: — É a melhor forma de reativar a atividade industrial, gerando empregos, sem custos ao governo. O mercado livre é tendência mundial e, hoje, 60% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial do país estão nesse mercado. O maior motor do recente movimento de migração é o preço: enquanto as tarifas subiram, em média, 50% no mercado cativo em 2015, a recessão econômica resultou em sobra de energia no mercado livre, o que derrubou a cotação. Uma empresa que contratou energia no mercado livre em janeiro de 2015 para assegurar o fornecimento ao longo de 2016 pagou R$ 350 por megawatt-hora (MWh), segundo a Delta Energia. Se tivesse feito o contrato um ano depois, para o mesmo prazo de fornecimento, teria pago R$ 100 por MWh, queda de 70%. Mudanças na legislação que entraram em vigor em fevereiro também são um fator que impulsiona a migração. As alterações baratearam a troca do medidor de energia, que atende a critérios diferentes nos mercados cativo e livre. A troca saía por cerca de R$ 50 mil. Após as mudanças legais, o investimento está na faixa de R$ 20 mil. Inaugurado em dezembro de 2013, o Shopping Metropolitano, na Barra da Tijuca, é um dos que estão abandonando o mercado cativo para ingressar no livre. Com demanda contratada mensal de 2 mil MW médios, a decisão de migrar foi tomada em abril deste ano. O gerente de operações do shopping, Henrique Casagrande, espera ter economia de 21%: — Desde que o shopping foi construído, contemplamos a possibilidade de migrarmos para o mercado livre, pois outros empreendimentos do grupo já atuam nesse mercado. Só não partimos de imediato porque queríamos avaliar o consumo efetivo de energia. EMPRESAS PODERÃO FAZER ‘POOL’ No segundo semestre, será criada a figura da comercializadora varejista. Estas empresas poderão reunir pequenos clientes em um pool, de modo que, juntos, alcancem o patamar mínimo de consumo de 500 kW para ingressar no mercado livre. Para que isso ocorra, os diversos clientes precisam ter o mesmo CNPJ, como filiais de uma empresa ou uma rede de agências bancárias, ou estarem localizados em uma mesma área, sem que esta seja cortada por vias públicas. Caso de um condomínio industrial, por exemplo. — É uma oportunidade que se abre para mais empresas — diz Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora Comerc. Professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Grupo de Economia de Energia, Luciano Losekann ressaltou que é preciso ter cuidado com os riscos do mercado livre, apesar de ser a favor de sua ampliação. O professor alerta que um dos riscos é que, sem contratos de longo prazo, haja um desestímulo a investimentos na expansão do sistema. Os consumidores também ficam sujeitos às variações de preços das tarifas no mercado livre, que oscilam conforme a oferta e demanda. — No Reino Unido, onde o mercado é livre há muitos anos, tiveram problemas recentes for falta de investimentos na expansão do sistema. O mercado cativo dá mais segurança para os investimentos, assegurando a expansão do sistema. O consumidor fica mais protegido no mercado cativo. Se um contrato no mercado livre, mesmo que seja de cinco anos, vencer justamente numa época de preços elevados da energia, como foi na seca de 2014, ele pagará muito caro. Para o consumidor residencial é mais vantajoso ficar no mercado regulado — destacou o professor. POR DANIELLE NOGUEIRA / RAMONA ORDOÑEZ Entenda como funciona o mercado livre de energia
Número de empresas interessas aumenta diante da queda das tarifaRIO - Com a redução dos preços de energia no mercado livre, cada vez mais empresa – especialmente de pequeno e médio porte – estão migrando para este mercado. Entenda como ele funciona e quem pode atuar nele. O que é o mercado livre? É um mercado de energia criado em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de promover a competição no setor. Nele, os contratos de compra e venda são negociados livremente entre consumidores e geradores. É possível, portanto, escolher de quem se vai comprar a energia. Nessa negociação, são definidos preço e duração dos contratos. Em geral, o fornecimento é de até cinco anos. No mercado cativo, onde estão os consumidores residenciais, os contratos são de longo prazo, entre 15 e 30 anos e são firmados em leilões, entre geradores e distribuidores. O consumidor final, seja uma residência ou uma empresa, não participa da negociação nem pode escolher o gerador. Quem pode migrar para o mercado livre? Apenas quem tem contratos de fornecimento de energia acima de 500 kW. Ou seja, uma conta de luz mensal de no mínimo R$ 60 mil. Por isso, os consumidores residenciais estão fora desse mercado. Quem atua no mercado livre hoje? Há dois tipos de consumidores livres: os tradicionais e os especiais. No primeiro grupo, estão grandes consumidores, com contratos de energia acima de 3 mil quilowatts (kW). Isso equivale a uma fatura de R$ 300 mil a R$ 500 mil mensais. Enquadram-se nesse perfil montadoras, siderúrgicas e outras grandes indústrias. No grupo dos consumidores especiais, o contrato é de 500 kW a 3 mil kW. São empresas de pequeno e médio portes, com faturas entre R$ 60 mil e R$ 300 mil, como shoppings, supermercados, hotéis. Nesse grupo, a energia contratada é necessariamente de fontes limpas, como biomassa, solar, eólica e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Como é possível migrar para o mercado livre? A migração ainda é um pouco complexa, mas os consumidores podem contratar uma comercializadora de energia, que serão intermediárias entre as geradoras e o consumidor final. Ou podem contratar uma empresa de consultoria para realizar todas as etapas necessárias à migração, que costuma levar cerca de seis meses. Um dos passos fundamentais é a adequação do medidor de energia, um investimento que fica na faixa de R$ 20 mil. O que são as comercializadoras varejistas? São comercializadoras que poderão reunir pequenos clientes em um pool, de modo que, juntos, eles alcancem o patamar mínimo de consumo de 500 kW. Para que isso ocorra, os diversos clientes precisam ter o mesmo CNPJ, como filiais de uma empresa ou uma rede de agências bancárias, ou estarem localizados em uma mesma área, sem que esta seja cortada por vias públicas. Caso de um condomínio industrial, por exemplo. As três primeiras comercializadoras varejistas foram autorizadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que liquida os contratos de compra no mercado livre. Há mais duas na fila. POR DANIELLE NOGUEIRA Rio é o estado que tem maior potencial para mudança para mercado livre
Estudo aponta vantagem para 2.000 empresas fluminensesNo Estado do Rio, existem ao menos 2.000 empresas de médio porte, principalmente do varejo, como shoppings, hotéis e supermercados, que poderiam comprar energia elétrica entre 25% e 26% mais barata do que o cobrado pelas distribuidoras locais (Light e Ampla). Essas empresas, que têm contratos com as concessionárias para a compra de 500 quilowatts (kW) até 3 mil kW por mês, poderiam sair do mercado cativo e ir para o mercado livre e escolher a geradora para comprar energia oriunda de fontes limpas, como Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), biomassa, eólica, solar. Esta é uma das conclusões obtidas pelo Grupo Federal Energia, comercializadora de energia elétrica que elaborou um Índice de Atratividade do Mercado Livre para Fontes Limpas de Energia, a que o GLOBO teve acesso. Erick de Azevedo, sócio-fundador do grupo e coordenador da elaboração do índice, disse que o Estado do Rio ficou em primeiro lugar no ranking, com a maior atratividade para que os consumidores passem a usar energia limpa e renovável, com tarifas menores do que no mercado cativo. O ranking cobriu 98% do mercado cativo de energia do país. — O lado positivo de ser o primeiro no ranking é que mostra a oportunidade de redução de custos das empresas fluminenses e o consequente ganho de competitividade. Mas, por outro lado, mostrou que os consumidores fluminenses estão submetidos a tarifas altas no mercado cativo quando comparado com o restante do país — explicou Azevedo. FOCO NOS ‘CONSUMIDORES ESPECIAIS’ Segundo o executivo, a ideia de criar o índice surgiu da necessidade da empresa de identificar as regiões com potenciais consumidores que poderiam trocar o mercado cativo pelo mercado livre. Para ele, o ranking se tornou um instrumento para que os consumidores conheçam as vantagens de escolher de quem compram a energia. O foco do índice são empresas que podem se tornar “consumidores especiais” no mercado livre, isto é, consomem entre 500 kW e 3 mil kW por mês. Nessa categoria os clientes devem contratar apenas energias de fontes renováveis. O objetivo dessa obrigação é estimular o desenvolvimento das fontes limpas. Nessa faixa de consumo estão comércio e indústrias de médio porte. A outra categoria do mercado livre é para gasto acima de 3 mil kW, que abrange médias e grandes empresas e indústrias. ‘“O lado positivo de ser o primeiro no ranking é que mostra a oportunidade de redução de custos das empresas fluminenses”’ Azevedo explicou que, tal qual o modelo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU, o índice da energia é calculado em um intervalo de zero (para a menor atratividade) e 1, para a maior atratividade. No primeiro semestre, o índice nacional atingiu 0,853. No ranking dos estados, o Rio lidera, com 0,972, seguido por Mato Grosso (0,952), Paraná (0,948), Santa Catarina (0,904) e Goiás (0,890). Pelos cálculos do grupo, uma demanda contratada de 1 mil kW e consumo mensal de 110 mil kWh, já considerando todos os tributos e encargos, o custo da tarifa vendida pela Light por Megawatt/hora (MWh) é de R$ 913,46, enquanto que, no mercado livre, custaria R$ 687,90, ou 24,69% menos. Já a energia vendida a esses consumidores da Ampla no mercado cativo custa R$ 875,52 o MWh, enquanto que no mercado livre o custo é de R$ 649,95, 25,76 % menor. A diferença entre os valores praticados nesses casos no mercado livre se deve à diferença no que cada distribuidora cobra para permitir que a energia comprada nesse mercado seja entregue à empresa pela sua rede. A Light explicou que suas tarifas são definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo a companhia, no último reajuste, em 2015, o custo de compra de energia foi elevado, especialmente devido ao efeito da alta do dólar nas tarifas de Itaipu, que representa 17% da energia comprada pela Light. A distribuidora destacou, contudo, que neste ano houve redução das despesas com a compra de energia, que deverá ser incorporada no próximo reajuste. A Ampla não comentou. O executivo do Grupo Federal Energia explicou que, no mercado livre, os contratos podem ser de curtíssimo prazo, de um mês, por exemplo, mas a maioria faz acordos de três a cinco anos com preços fixos das tarifas, sem se sujeitarem a reajustes anuais como no mercado cativo. POR RAMONA ORDOÑEZ |
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