Análise: Abertura do mercado livre pressiona por novos mecanismos infralegais e regras de segurança
Depois de 23 anos da 1ª migração, o MME abre o mercado para toda a alta tensão, tornando 106 mil unidades elegíveis a consumidores livres (hoje são 11 mil) 04/10/2022 Portal da iNFRA - 29.09.2022 - O 28 de setembro entrará para a história do mercado livre de energia elétrica por marcar a maior abertura da história do segmento. Depois de 23 anos da primeira migração, a Portaria 50/2022 abre a partir de janeiro de 2024 toda a alta tensão, tornando 106 mil unidades elegíveis de se tornarem consumidores livres. Hoje o mercado livre tem 11 mil consumidores livres em pouco mais de 27 mil unidades consumidoras e responde por cerca de 35% da carga. A medida pressiona o setor a estabelecer mecanismos infralegais para receber esses novos entrantes sem vácuos regulatórios, poderá impulsionar o avanço da Eletrobras no mercado livre e também enseja reflexões sobre o aperfeiçoamento de regras de segurança do mercado, que movimentará mais consumidores, mais dinheiro e mais empresas negociando energia. E pressiona sobre a eventual abertura para a baixa tensão, que está sendo feita a princípio pelo Projeto de Lei 414/2021, de modernização do setor. Comercializador varejista “A figura do comercializador varejista foi criada para intermediar a negociação, gerenciar os riscos inerentes ao segmento livre e tornar o ambiente mais atrativo para os consumidores de menor porte, que não têm familiaridade com a dinâmica do setor elétrico”, disse. Alguns pontos da regulação do comercializador varejista e do supridor de última instância terão de ser fortalecidos, segundo especialistas. Medidas infralegais Para Fabiano Brito, sócio do Mattos Filho, poderia ser feito um detalhamento melhor sobre as atividades varejistas para os consumidores menores de alta tensão, por exemplo, com um acompanhamento mais de perto da atuação dos varejistas pela CCEE. “Se um varejista tiver dificuldades financeiras, seria bom já termos um procedimento estabelecido para identificação e repartição dos clientes, para diminuir a insegurança.” A abertura exigiria também criar mais flexibilidade para as distribuidoras gerenciarem seus contratos, segundo um analista. Hoje há o Mecanismo Competitivo de Descontratação, instituído pela Lei 14.120, mas ainda sem regulação pelo poder concedente e agência reguladora. Regras de segurança do mercado Uma das reflexões é sobre a importância de chamada prévia de margem, um tema que provoca ruídos no setor e está longe de ser unanimidade. “Esse é um tema muito importante, não se pode jogar ficha sem dinheiro. O comercializador pode tomar posição e não ter lastro e deixará o cliente na mão. Isso está ligado à figura do supridor de última instância à inadimplência sob o varejista”, diz o vice-presidente da AES Brasil, Rogério Jorge. Eletrobras pode ser uma das vencedoras Essa descotização daria conforto à abertura e poderá contribuir para o avanço da Eletrobras no mercado livre. Hoje a geradora, detentora do maior parque hidrelétrico do país, não está entre as dez maiores comercializadoras do país. A energia descotizada e limpa abre oportunidades em um momento em que energia renovável e livre ganharão mais apelo. “Isso ajuda, sim, a Eletrobras, por reduzir risco de volume, mas não o de preço, pois tem muita oferta entrando também”, avalia um empresário. Padronização dos critérios da migração O Brasil tem 64 distribuidoras e as exigências são diferentes em cada uma. “Algumas distribuidoras exigem padrões técnicos diferenciados e com alto custo para adequação, como instalar ar-condicionado nas cabines, onerando o consumidor em investimento aproximado entre R$ 15 mil a R$ 30 mil. Outras distribuidoras alegam que a denúncia do contrato só pode ser feita depois de assinado o contrato com a comercializadora”, diz. GD solar x mercado livre O ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) Edvaldo Santana concorda. “Na prática, a baixa tensão já foi para o mercado livre desde que a ANEEL permitiu a GD (geração distribuída) remota. Ou seja, a baixa tensão, sem qualquer discussão de contratos legados, outro biombo para repassar custos, já está liberada. E com subsídios para quem migra”, observa. E a baixa tensão? O modelo atual, sancionado em 2004, é baseado na contratação de energia pelas distribuidoras em leilões anuais, em que os geradores ofertam energia em contratos de longo prazo, que valem de 25 a 35 anos, o que também contribui para financiar os projetos. São os chamados contratos legados. Abrir todo o mercado implica resolver os contratos legados e redefinir o papel das distribuidoras, por exemplo com a separação entre fio e energia. Outro seria evitar a criação de novos contratos legados com longa duração. Histórico A negociação foi concluída em 17 de novembro de 1999, quando a Carbocloro anunciou que tinha fechado acordo de cinco anos para fornecer 55 MW no horário de ponta e 92 MW no restante do dia com a paranaense Copel, que expandia suas fronteiras e forneceria energia para a unidade da empresa em Cubatão. Poucos dias depois, o segundo contrato do mercado livre no Brasil foi assinado: a Volkswagen passou a comprar 18 MW da Copel por cinco anos para sua unidade de Taubaté, em São Paulo. Os acordos deixaram algumas distribuidoras preocupadas em perder mercado, o que levou agentes a questionarem a decisão na ANEEL. A liberação do consumidor não foi automática nem pacífica. “Instaurou-se um processo de mediação administrativa na ANEEL, que, sem obter consenso entre os envolvidos, remeteu a decisão para uma reunião conjunta dos agentes, diretor-ouvidor e o diretor-geral. Nesse dia, houve a decisão histórica a favor do mercado livre”, relembrou o primeiro diretor-geral da agência reguladora, José Mario Miranda Abdo, em entrevista ao livro de 20 anos do mercado livre, editado pela CCEE. |
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