Negociações no setor cada vez mais em alta
Renováveis dominam fusões e aquisições, mas comercialização e tecnologia ganham espaço
28/11/2022

CanalEnergia - 25.11.20222 | Registrando um bom ritmo nos últimos anos, as fusões e aquisições no setor elétrico não reduziram a intensidade em 2022. A compra de ativos, em especial os de geração renovável, tem dominado as negociações desde então, mas as áreas de transmissão e distribuição também apareceram em 2022. No fim de 2021, a reportagem “2022 na pegada de 2021”, sinalizava que o ano seguinte seria de muitas aquisições, com ênfase nos ativos renováveis e que a comercialização também seria notada. As previsões da reportagem se confirmaram.

Em março, Omega Energia assinou um acordo de R$ 262 milhões para compra dos direitos e obrigações do complexo de geração eólica Assuruá, na Bahia. A empresa vai ampliar a participação nas EOLs Assuruá 4 (211,5 MW) e Assuruá 5 (243,6 MW), além de expansões para acrescentar mais 617,6 MW de capacidade. Em junho, a Engie concluiu a aquisição dos direitos de desenvolvimento do projeto Serra do Assuruá junto à PEC Energia. O empreendimento tem capacidade instalada outorgada de 882 MW, sendo composto por 24 parques eólicos no município de Gentio do Ouro (BA). O preço máximo da aquisição é de cerca de R$ 265 milhões.

Nas listas por setor, energia tem se localizado na dianteira da tabela, ao lado de tecnologia e alimentos. Leonardo Dell’Oso, sócio da PwC, conta que o setor passa por uma aceleração forte e o interesse tem vindo de players, fundos de investimentos, até mesmo de empresas de fora do setor elétrico e que a tecnologia fotovoltaica tem se destacado. “Tem crescido bastante o interesse por projetos de energia solar”, avisa.

Leonardo Dell’Oso, da PwC: renováveis em alta, com solar aumentando interesse

Segundo Dell’Oso, o aumento de parques solares no país e de sistemas de geração distribuída acabou trazendo holofotes para a fonte. A tecnologia 5G, que trará impactos significativos para o setor elétrico, também é outro fator acelerador. “A tecnologia também fomenta de certa forma a eficiência no mercado de energia e consequentemente é alvo de M&A também”, comenta. Para ele, as negociações são originadas pela busca cada vez maior de energias renováveis, o que atrai investimentos, independendo do governo.

A estabilidade regulatória é apontada como um dos fatores que atraem as aquisições. Para Dell’Oso, os últimos marcos aprovados no país trouxeram mais segurança institucional e jurídica para o investidor. A segurança jurídica é considerada fundamental para o êxito dos grandes investimentos. A instabilidade nas regras é considerada prejudicial às negociações no longo prazo. “Quanto mais regulado e blindado o setor, mais atrai investidores. Isso é um fato que faz todo o sentido nesse movimento de M&As”, pontua.

O sócio da PwC identificou que historicamente vem caindo a participação dos investidores estrangeiros em detrimento do crescimento do nacional. Os investidores estratégicos, aqueles que já estão no setor, tem dominado. Os fundos de investimentos, que compram os ativos para revender anos depois, perderam espaço. “Quem está comprando e consolidando são os investidores que já estão no setor”, avisa. Para 2023, a expectativa é de um ano igualmente aquecido.

As metas ESG das empresas também estão puxando as negociações em energia. Segundo Paulo Coimbra, sócio da área de energia da KPMG, a necessidade de setores da indústria em recuar as suas pegadas de carbono levará a mudanças no consumo de energia, indo para o uso de renováveis.

“Quando vemos uma empresa fazendo aquisição, entrando no setor de renováveis, é claramente um movimento de ESG”, destaca. No ano passado, a KPMG identificou 60 transações envolvendo companhias energéticas e até o fim do primeiro semestre deste ano, já foram 21.

Paulo Coimbra, da KPMG: ESG potencializa aquisições

Coimbra vê o setor elétrico hoje com uma dinâmica própria de mercado, se desgarrando dos leilões de energia, que costumavam ditar a expansão. A diversificação no Brasil leva a transações relevantes e a expectativa é que as negociações este ano tenham pelo menos o mesmo volume do ano passado, que foi um dos maiores da série histórica. “Apesar de ser um setor regulado, está na agenda das empresas”, observa.

Um M&A (do inglês Mergers & Acquisitions) é o caminho mais rápido para uma empresa crescer e aumentar as suas receitas. Um projeto quando começa do zero exige tempo e custos com estudos de viabilidade, licenças, logística e a construção em si. Já a aquisição permite o aumento da escala e das operações no curto prazo. É comum que pequenos investidores implantem projetos greenfield para que depois sejam vendidos para grandes investidores. A aceleração do crescimento e a capacidade do projeto de gerar valores para os sócios são os drivers.

Dentre os players do setor, a geradora térmica Eneva se destacou nas aquisições em 2022. Em junho, foi anunciada a compra junto a New Fortress e EBrasil da Celse, que opera a UTE Porto De Sergipe (SE – 1.600 MW) e do seu pipeline adicional de 3,2 GW. As cifras do negócio chegaram a mais de R$ 6 bilhões. Mas o apetite não parou por aí. Em seguida, foi a vez da UTE TermoFortaleza (CE – 327 MW), térmica a gás do Programa Prioritário de Termoeletricidade do governo federal, ser comprada da Enel por R$ 467 milhões. De acordo com a empresa, o pipeline da Celse pode ser inscrito nos próximos leilões de energia, já que a maioria possui as licenças necessárias e margens para escoamento. A estrutura de FSRU já amortizada também foi outro atrativo listado.

O consultor Filipe Kury classifica os movimentos da Eneva como orquestrados e inseridos dentro de uma estratégia coesa. Para ele, desde a integração com a Parnaíba Gás Natural a empresa buscou uma gestão altamente profissional e uma saúde financeira que deve transformá-la em exemplo para o novo mercado de gás. “Ela foi fazendo uma geração de caixa saudável e isso estimula outros entrantes a querer trilhar o mesmo molde que a Eneva está trilhando”, observa. Em 2020, a empresa adquiriu blocos exploratórios na bacia terrestre do Paraná, o que segundo Kury vai deixá-la próxima ao Gasbol, em posição privilegiada para novos negócios.

Para Felipe Kury, Eneva adota estratégia coesa e gestão altamente profissional

O modelo de comercialização de gás da Eneva aplicado no Parnaíba pode ser repetido na região Nordeste. A Celse trará acesso aos gasodutos de transporte, tendo como consequência entregas em outros estados. Outra negociação que a geradora participa, mas ainda não foi fechada é a do Polo Bahia Terra, em parceria com a Petrorecôncavo. O campo é de propriedade da Petrobras. Durante a última teleconferência de resultados, Marcelo Habibe, diretor de relações com investidores da companhia, se mostrava confiante no êxito da aquisição. Ainda segundo Kury, a aprovação do novo mercado de gás trouxe um avanço nas negociações, assim como a disposição da Petrobras de vender ativos.

Mas se os olhares ficaram voltados para geração, transmissão e distribuição de energia, outras áreas ligadas ao setor também entraram forte no M&A. A comercialização de energia foi uma delas e a GD, outra. Players dessa área vem comprando empresas que complementam a sua atuação, como as de sistemas de medição. No começo do ano, a Prime Energy adquiriu a Arion Otimização em Energia, expandindo as soluções para o mercado livre e um maior foco na energia solar fotovoltaica. Em setembro, foi a vez da Comerc anunciar a compra de 70% da Soma Consultoria. A Soma é uma gestora e consultora de soluções em energia com foco no Nordeste e especializada em serviços de gestão e representação para consumidores no ACL.

A consultora Silla Motta vê uma aposta forte das comercializadoras na migração de clientes para o mercado livre, uma vez que o ambiente está amigável. Para ela, há uma onda de fortalecimento para o mercado varejista para aumento do mercado que passa por essas aquisições. Ela lembra que uma comercializadora acaba sendo o melhor lugar para uma empresa de fora que almeja atuar no setor, por já ter um grupo técnico qualificado que vai poupar o estreante da curva de aprendizado sobre o setor. A descarbonização tem papel aglutinador, servindo como porta de entrada.

Silla Motta: comercialização como porta de entrada para o setor

“Se eu posso entrar no mercado de renováveis e eu não sei por onde começar, porque não por uma comercializadora que já está no mercado?”, indaga. A negociação de energia é pautada na credibilidade, na reputação e no histórico dos profissionais envolvidos. Isso traz aderência no mercado para operar. Silla conta que há um interesse de investidores nacionais e internacionais no Brasil e destaca ainda ‘Family Offices’ que querem investir em energia, mas ainda não tem presença no mercado.

A consultora lembra ainda que muitas empresas com capilaridade de áreas como infraestrutura e saneamento tem buscado entrar na comercialização. O objetivo é aproveitar a base de consumidores já existente.

Além da comercialização, a geração distribuída também foi alvo de M&As esse ano. A Energisa, por exemplo, em janeiro comprou por R$ 75,6 milhões 11 empresas de GD solar do Grupo Vision em Minas Gerais, através da subsidiária Alsol. Ainda em terras mineiras, em abril a Cemig adquiriu por R$ 37,2 milhões 49% de participação em seis usinas fotovoltaicas detidas pela G2 Energia e pela Apolo Empreendimentos, localizadas em Lavras. Os ativos estão em operação e somam 18,5MWp de potência e podem atender cerca de 1.800 clientes. O levantamento da PwC coloca Minas Gerais como o estado com mais transações.

A Ultragaz em setembro adquiriu por R$ 63 milhões a Stella Energia, plataforma para conexão de geradores de energia renovável e clientes, por meio da GD. Atualmente, a empresa possui mais de 11 mil clientes e potência atendida de aproximadamente 75 MWp. A compra faz parte de um conjunto de iniciativas para dar o primeiro passo no setor de renováveis. A Stella desde 2021 é acelerada pelo UVC Investimentos — fundo de venture capital do Grupo Ultra.

Eduardo Miranda, da Mercurio Partners: tecnologia no radar da GD e comercializadoras

Eduardo Miranda, sócio da Mercurio Partners, também registrou uma movimentação às empresas de tecnologia, como as que lidam com medição digital e softwares. Segundo ele, as empresas que miram o varejo, como algumas comercializadoras e as de GD, devem sempre ter a tecnologia no seu radar.

“Temos visto um posicionamento muito intenso da operação tradicional para a operação do futuro”, pontua. Miranda aposta em um 2023 forte de M&As nessas áreas, também puxado pela abertura do mercado que vem em 2024. “Esperamos um 2023 intenso para a turma de GD e para a turma varejista”, observa.

Ele reforça a tese que as metas ESG tem auxiliado nas transações, uma vez que além das empresas que cumprem as suas metas comprando ativos de energia limpa, os ativos que não se enquadram mais são vendidos para empresas que não possuem compromissos. ” É positivo nas duas pontas: para aquele que está saindo e precisa comprar ativo com característica ESG e para aquele que vai lidar com o phase out dos ativos não renováveis”, comenta.

Em julho, foi realizado o leilão de privatização da parte de geração da CEEE, composto na maioria de usinas hídricas. A distribuidora e a transmissora do grupo já haviam sido vendidas. A vencedora foi a CSN, com um lance de R$ 928 milhões, que representou um ágio de 10,93%. Na ocasião, a Auren, por meio da Cesp, foi a outra concorrente que apresentou proposta. mas acabou derrotada.

A nova dona das UHEs gaúchas vê a energia como um novo ambiente de negócios pelo retorno estável e de longo prazo que os ativos propiciarão. Com a compra, a CSN terá autossuficiência em energia e deverá reduzir em 60% os custos de produção, considerando todo o grupo. Antes da CEEEG, a siderúrgica já havia comprado a Companhia Energética Chapecó, titular de outorga para a exploração da Usina Hidrelétrica Quebra-Queixo e a Santa Ana Energética, titular de outorga para a exploração da PCH Santa Ana.

Mas se a privatização da geração da CEEE foi exitosa, a compra e venda de ativos hídricos não tem atraído tanto os compradores. Para Dell’Oso, a crise hídrica, que acaba influenciando na operação e na receita, acabou retirando um pouco da atratividade de PCHs e UHEs. “Isso afeta de fato o interesse pela geração hidrelétrica”, pontua.

A EDP, que havia posto à venda de suas participações de 50% nas UHEs Santo Antonio do Jari (392,95 MW) e Cachoeira do Caldeirão (219 MW), ambas no Amapá, desistiu da operação. O fundo CDPQ chegou a firmar um acordo de exclusividade para a compra, mas as negociações não avançaram. Porém na UHE Mascarenhas (ES – 198 MW), também da EDP, houve final feliz. O fundo Victory Hill Global Sustainable Energy Oportunities adquiriu o ativo por R$ 1,225 bilhão.

E para 2023 as expectativas de negócios não continuam em alta somente para as renováveis. O último trimestre do ano trouxe anúncios importantes para a distribuição. A italiana Enel – que já havia vendido a Celg-D (GO) em setembro – anunciou nesta semana a intenção de vender a concessionária no Ceará, direcionando a atuação em no Rio de Janeiro e São Paulo, onde atua com as distribuidoras Enel Rio e Enel São Paulo. A Enel Ceará tem 4,74 milhões de unidades consumidoras em 184 cidades. De acordo com o CEO da Enel, Francesco Starace, o foco na distribuição será nas grandes cidades para digitalização, o que a afasta do Ceará.

Antes, o governo do estado do Paraná também havia anunciado que quer privatizar a Copel no ano que vem. A distribuidora do grupo estatal paranaense tem 4,9 milhões de unidades consumidoras, no estado, além de possuir subsidiárias para as áreas de geração, transmissão e comercialização de energia. O projeto de lei que permite a privatização e deverá ter modelo similar ao da Eletrobras, com capitalização das ações e transformação em corporação, já foi entregue para a Assembleia Legislativa Estadual e aprovado, aguardando sanção do governador.

Outra negociação pretendida e esperada para o ano que vem é a alienação da participação acionária da Cemig na transmissora Taesa. A venda já foi anunciada desde o ano passado, mas ainda não foi concretizada. Segundo o CFO da estatal mineira, Leonardo Magalhães, ainda não há um prazo específico de quando vai ocorrer o processo. O executivo considera a Taesa um ativo relevante e com ótima reputação no mercado.