Interferência nas indicações para ONS e CCEE colocam governo e setor elétrico em rota de colisão
Executivos do setor questionam a atuação do governo em duas entidades de cunho privado, ainda que a União possa indicar nomes para os respectivos comandos
29/04/2024

Valor Econômico - 26.04.2024 | A interferência do governo nas indicações de cargos no Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e na Câmara de Comércio de Energia Elétrica (CCEE) causou novamente tensão entre Brasília e agentes do setor elétrico. Executivos questionam a atuação do governo em duas entidades de cunho privado, ainda que a União possa indicar nomes para os respectivos comandos.

As eleições para o ONS e a CCEE reacendem as reclamações de piora na governança do setor elétrico, num contexto que inclui a espera do desfecho do aperfeiçoamento do marco legal do segmento, a renovação de concessões de 20 distribuidoras de energia elétrica, regulação de eólicas offshore, abertura do mercado de energia elétrica e a perspectiva de um ano com hidrologia abaixo da média, entre outros fatores.

A eleição da nova diretoria do ONS, na quinta-feira (25), foi a gota d’água. A assembleia confirmou a indicação de Marcio Rea como diretor-geral, e a recondução do atual diretor de Planejamento, Alexandre Zucarato.

A surpresa ficou por conta da escolha de Mauricio Renato de Souza, chefe de gabinete do ministro Alexandre Silveira para a diretoria de TI, Relacionamento com Agentes e Assuntos Regulatórios, no lugar de Marcelo Prais, executivo com amplo conhecimento do operador.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia afirmou, em comunicado, que o aparelhamento causado pelo governo e pelo Legislativo no ONS e na CCEE é mais um “passo rumo ao colapso do setor elétrico brasileiro”.

“Para nós consumidores, não resta a menor dúvida de que a responsabilidade pela caminhada rumo ao colapso, tantas vezes apregoada pelo ministro Alexandre Silveira, é de todos: dos agentes setoriais e dos Poderes Legislativo e Executivo”, disse a Frente Nacional de Consumidores de Energia.

Articulação política - Pessoas próximas a Silveira disseram que o ministro manteve Zucaratto para garantir o suprimento e segurança da operação. Já a nomeação de Souza teria se dado porque ele tem boa articulação no Congresso, trânsito na Aneel e para melhorar articulação com Itaipu e ENBPar. Além disso, ele exerce as funções de presidente do Comitê de Pessoas da Petrobras e é Conselheiro Fiscal da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA) e tem formação em Direito, com pós graduação em direito tributário e em estudos avançados em direitos humanos pela Universidade de Salamanca, na Espanha.

Pelo menos dez fontes do setor ligadas aos setores de comercialização, geração, transmissão e distribuição disseram ao Valor, em condição de anonimato, que o governo está ampliando a ingerência sobre essas entidades e dificultando a governança institucional. Procurado, o MME não respondeu até o fechamento da reportagem.

Decreto sobre CCEE - Um decreto editado em dezembro de 2023, que estabeleceu uma nova governança para a CCEE, foi visto com perplexidade por fontes ouvidas pela reportagem, que classificaram a medida como um tipo de “estatização” da entidade, já que o órgão é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, sustentada pelos agentes de mercado e regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A reestruturação da entidade ainda não entrou em vigor. O conselho da entidade passará a contar com um conselho de administração composto por oito integrantes e uma diretoria executiva, com seis nomes.

A Aneel publicou uma resolução na segunda-feira (22), que regulamenta o decreto sobre a nova estrutura de gestão da câmara. A resolução estabelece um prazo de 50 dias, contados a partir de segunda-feira, para a CCEE aprovar um novo estatuto social, que também será analisado pela agência reguladora.

Pela atual governança da CCEE, o conselho de administração conta com cinco nomes. Os três nomes que vão completar a composição do conselho dentro da nova governança serão eleitos posteriormente, após a aprovação final da estrutura de gestão.

A assembleia da CCEE elegeu na terça-feira (23) três nomes para o conselho de administração. Com apoio do ministro, uma das vagas do colegiado ficou com o advogado Vital do Rêgo Neto, de 30 anos, filho do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo, e sobrinho do vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).

Segundo apurou o Valor, as distribuidoras haviam firmado posição pela recondução de Marco Delgado, mas o governo apresentou a candidatura de Rêgo na última hora.

Gerusa Magalhães foi eleita para o assento como representante dos comercializadores e consumidores de energia. Já Ricardo Simabuku foi indicado pelo governo na última hora para disputar o assento dedicado aos geradores com Roseane Santos.
Santos foi conselheira da CCEE entre 2019 e 2023 e que poderia ter sido reconduzida na ocasião. Na eleição realizada no ano passado, Santos teve apoio do mercado, mas foi preterida por um nome apoiado pelo governo. Ela foi nomeada titular de uma nova superintendência.

No caso do ONS, cabia ao governo a indicação do diretor-geral, que poderia reconduzir o atual titular, Luiz Carlos Ciocchi, para mais um mandato de quatro anos ou indicar novo nome. O setor esperava não haver interferências políticas, já que o órgão é responsável pela operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) que compreende 98% da demanda do Brasil.

O nome escolhido pelo MME, Márcio Rea, tem experiência no setor elétrico, com graduação em Administração de Empresas, tendo exercido a função de diretor administrativo da Cesp, secretário de saneamento e recursos hídricos de São Paulo, presidente do conselho de administração e fiscal da Emae e membro do conselho da Cetesb. Atualmente, Rea ocupa a presidência da Emae, recém-privatizada. Entretanto, fontes apontam que falta qualificação para o novo cargo.

“Esse senhor nunca operou o sistema elétrico brasileiro, nunca esteve no comando de usinas, subestações e linhas de transmissão. Portanto sem nenhuma experiência para assumir a direção do órgão mais importante do setor elétrico brasileiro”, disse uma fonte.

Por Robson Rodrigues e Fábio Couto