Derrubada de vetos em lei das eólicas offshore pode agravar cortes de energia renovável
Geradoras solar e eólica cobram na Justiça que prejuízo com desligamentos vá para consumidores em geral; imbróglio pode piorar 21/02/2025 Folha de SP - 20.02,2025 | Caso o Congresso derrube parte dos vetos do presidente Lula a artigos da lei que regulamenta as eólicas offshore (em alto mar), as empresas de energias eólica e solar podem sofrer ainda mais cortes em suas produções, segundo especialistas do setor elétrico. Isso agravaria a pressão das geradoras de energia renovável para que o prejuízo dessas companhias seja arcado pelos consumidores que pagam a conta de luz. Os vetos em questão tratam da contratação compulsória de térmicas a gás natural inflexíveis (que ficam ligadas mesmo quando não são necessárias) e a carvão, inseridas durante a tramitação do PL no Congresso. Lula vetou essas obrigações no início do ano, mas agora o governo precisará enfrentar pressões de parlamentares favoráveis aos artigos. Caso as contratações se mantenham, a oferta de energia no país crescerá sem acompanhar a demanda. Com isso, na visão de alguns especialistas, o ONS (Operador Nacional do Sistema) precisará intensificar os cortes de geração renovável no Nordeste, que sofre lacunas de transmissão para o Sudeste –região que abriga a maior demanda por eletricidade no país. Esses cortes, no jargão técnico, são chamados de "curtailment". Hoje, aliás, os desligamentos existem porque, em determinados momentos do dia, os geradores já produzem mais quantidade de eletricidade do que o sistema é capaz de transportar ou acima, inclusive, da demanda. Nesse último caso, como fisicamente cortar a geração de energia eólica e solar é mais simples do que desligar térmicas e hidrelétricas, essas empresas são as mais afetadas. Também devido aos gargalos de transmissão, esses cortes acontecem principalmente no Nordeste, onde estão as grandes geradoras de renováveis. No setor elétrico, há quem argumente que essas perdas são um risco natural de mercado a ser encarado pelas empresas de renováveis. "Eu não vejo grandes gargalos de energia no setor hoje. O que aconteceu no Brasil nos últimos anos, e tem ficado muito claro nas análises dos grandes especialistas, é um excesso de investimento em geração em relação à carga existente", afirma Rui Chammas, CEO da empresa de transmissão Isa Energia. Os cortes, porém, vão parar nos balanços das companhias que não conseguem vender a energia cortada. Hoje empresas de energias solar e eólica enfrentam na Justiça uma disputa com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para que o prejuízo seja repassado aos encargos do sistema elétrico, divididos entre todos os consumidores de eletricidade do país, inclusive os residenciais. A norma atual restringe indenização a casos de gargalos na transmissão causados por defeitos ou paralisação da rede, como manutenção —cenário diferente dos cortes em questão. À Justiça a Aneel disse que a energia cortada até novembro do ano passado soma R$ 1,1 bilhão, mais do que três vezes o total que é hoje destinado a ressarcimentos. Segundo as associações que defendem os geradores de energia renovável, o prejuízo só no ano passado foi de quase R$ 2,5 bilhões, o que torna esse tema um dos mais críticos para o setor elétrico atualmente. Nas contas da Aneel, para cada R$ 1 bilhão indenizado, tem-se um aumento médio na tarifa do consumidor de cerca de 0,4%. Assim, em um cenário em que os vetos de Lula sejam derrubados e que a Justiça atenda ao pleito das empresas de renováveis, o consumidor terá que arcar com a contratação de térmicas (mais caras) e com os prejuízos causados pelos cortes. "O PL das eólicas offshore, que inseriu uma série enorme de fontes novas, é um replicador desse problema, porque, na hora que a gente coloca desnecessariamente 4.000 megawatts de térmicas inflexíveis a gás natural, alguém vai ter que reduzir sua geração", diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia. "Essa é mais uma razão para que a gente sensibilize os senadores para que mantenham o veto presidencial." Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), concorda. "Esses jabutis (como são chamados artigos que não tem a ver com o tema central de um projeto de lei) são um verdadeiro estrago para o país, para o consumidor e para o sistema. E vão agravar muito o curtailment, porque se coloca energia sem necessidade, deslocando geração de energia eólica que foi contratada no passado", afirma. Já Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar (que representa os geradores solares) diz ser necessário avaliar cada artigo do PL. "De qualquer forma, a causa da baixa demanda do Brasil está muito mais ligada ao fraco crescimento econômico do país. Se a gente tivesse crescendo com força, toda essa energia cortada estaria sendo utilizada, inclusive em data centers e projetos de hidrogênio verde", diz. Procurando pela Folha, a Abraget (associação que representa os donos de termelétricas) não quis se manifestar. Em tese, a origem desses cortes está na mudança do sistema elétrico brasileiro nos últimos anos. No passado, a instalação de geradoras de energia, inclusive renováveis, acompanhava o planejamento da Aneel e do governo federal, responsáveis por organizar leilões. A crescente descentralização do setor, porém, fez com que atores privados instalassem suas usinas sem uma orientação específica do poder público, ainda que com aprovação dos entes reguladores. Nesse modelo, o único objetivo é garantir máxima receita aos produtores e, por isso, o principal fator para instalação são as características das áreas para a geração de energia –no caso de solar e eólica, frequência e intensidade de sol e vento. Nordeste e norte de Minas Gerais se destacam. A capacidade de escoamento dessa energia, porém, ficou por muito tempo em segundo plano. Agora, com a demanda não conseguindo acompanhar a crescente oferta de energia da região, o sistema tem dificuldade de transmitir essa energia para onde está a carga (Sudeste). O problema se agravou a partir do apagão de agosto de 2023, ligado a falhas em uma linha de transmissão no Nordeste e no desempenho de equipamentos de parques eólicos e solares. Fato é que ainda não há consenso sobre como sanar a necessidade de curtailment. Os geradores renováveis querem a expansão das linhas de transmissão do Nordeste para o Sudeste –o que governo federal e ONS vêm fazendo, ainda que em menor intensidade do que a desejada. Essa solução permitiria que a oferta cortada fosse escoada para a carga, mas a construção de novas linhas também desencadearia maiores custos para o consumidor, que teria que arcar com os investimentos. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estimou em 2022 que a expansão das linhas de transmissão e subestações para viabilizar o escoamento de 60 GW (gigawatts) de geração renovável do Nordeste para o Sudeste custaria R$ 50 bilhões. Parte desses investimentos já foram feitos, mas há mais estudos em análise. A empresa ainda não calculou quanto é necessário instalar para solucionar os atuais cortes. Outra solução seria apostar na instalação de baterias de armazenamento de energia, mercado que ainda engatinha no Brasil. Mas, enquanto soluções de longo prazo não aparecem, o setor tenta encontrar alternativas de curto prazo para evitar o repasse dos prejuízos para os consumidores. André Pepitone, diretor financeiro de Itaipu e ex-diretor-geral da Aneel, diz que a questão tem que ser avaliada de forma estratégica por todos os atores do setor. "Não dá para jogar essa conta simplesmente para o consumidor pagar", afirma. Ele sugere um esquema de rateio para os cortes, em que os prejuízos sejam compartilhados entre os geradores, evitando que só as empresas donas das usinas cortadas sejam prejudicadas. Ao menos a Absolar, no entanto, não concorda com o rateio e diz que os prejuízos afastam investidores do país. Link da publicação original: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/02/derrubada-de-vetos-em-lei-das-eolicas-offshore-agravaria-cortes-de-energia-renovavel.shtml |
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